segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Diário das Águas: inundação de sensibilidades


"Escrever é mariscar palavras-peixes que beliscam nosso anzol", escreve Gabriela Romeu no posfácio do livro Diário das Águas, de sua autoria, com desenhos de Kammal João. 

O livro é todo permeado de falhes e fragmentos de uma viagem pelas infâncias dos rios Tapajós, Xingu, São Francisco, Paraguai, Oiapoque, Humaitá e Santo Antonio, percorrido por Gabriela em suas incursões jornalísticas como editora do caderno Folhinha, do jornal Folha de São Paulo. 

"Foi mariscando lembranças de andanças por muitos rios que este diário nasceu, quase afluente de um desejo de radiografar a vida nas águas, uma tarefa tão fascinante quanto naufragável", segue ela em sua descrição de seus anos de documentação da vida de meninas e meninos ribeirinhos do Brasil. 

"Tal itinerário foi sendo desenhado numa cartografia de lembranças do fundo e das brenhas, aguadouro de experiências do vivido (ou não), desaguando com força a vida regida pelos ciclos das águas, que enchem, vazam, secam e inundam o cotidiano dos povos das beiradas. Tudo reunido numa só bacia hidrográfica", finaliza ela.

Vale demais embarcar e deixar-se inundar por esse Diário de Águas! 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Sarmento: inspiração teórica


Uma das inspirações teóricas desta pesquisa é Manuel Sarmento, professor associado da Universidade do Minho, em Portugal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia da Infância, atuando principalmente nos seguintes temas: infância, exclusão social, trabalho, educação e escola. 

Ao discorrer sobre o significativo atraso, numa perspectiva internacional, dos estudos da infância no Brasil e em Portugal, destaca na expressão literária, e seu “inesgotável e insubstituível poder de fixação imagética dos mundos complexos da infância”, um contraponto à formulação do pensamento científico nesse campo. Entre os escritores brasileiros citados, estão Cecília Meireles, Mário Quintana e Manoel de Barros.  

Para Sarmento, a ação pioneira da poesia, gênero literário que o próprio Manoel de Barros (1999) diz ter aprendido com as crianças, “criou as condições culturais e linguísticas para o desenvolvimento de um pensamento sobre a infância, que os estudos da criança herdaram como um importante recurso para o seu labor analítico”.   

Atualmente, os estudos da infância têm pautado uma agenda analítica que situa a criança como sujeito integrado histórica, social e culturalmente, que se apropria e produz a história humana de forma ativa e criativa.    

Ao compreender a ênfase na pesquisa com crianças, e não sobre, e reconhecer as dizibilidades e visibilidades infantis no campo empírico, diversos estudos têm descortinado processos de normativização e estabelecido o lugar social da infância a partir do contexto e do momento.    

Sarmento endossa a razão pela qual uma abordagem crítica em estudos da criança necessita priorizar o estudo das crianças à margem da norma ocidental: “A criança não deixa de o ser por viver ‘à margem’ da norma: as suas necessidades, os seus modos de apreensão e simbolização do mundo, a sua cultura, permanecem inevitavelmente infantis, nas condições em que essa condição infantil se exprime”.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Trinh T. Minh-ha: inspiração na linguagem cinematográfica


Uma importante inspiração ética e estética é o trabalho da cineasta e intelectual vietnamita, radicada nos Estados Unidos, Trinh T. Minh-ha

Em obras que provocam as fronteiras entre a arte e a ciência, transitando entre o documentário, o filme etnográfico, o cinema experimental e o cinema narrativo, Minh-ha assume, a partir de escolhas estéticas, uma postura ética que questiona os discursos elaborados para marcar e referendar lugares de autoridade e poder. 

A ênfase de suas produções é pautada pela revelação de que a audiovisualidade é uma construção de discurso resultante de uma opção deliberada. E, para demonstrar o modo como a obra se constrói, Trinh T. Minh-ha opta por uma estética comprometida com o desvelamento das relações de poder e de exploração subsumidas nos discursos hegemônicos da colonialidade. 

Em “Reassemblage - from the firelight to the screen” (1983), por exemplo, é recorrente a reação dos sujeitos retratados, que devolvem seus olhares e seus sorrisos, sua desconfiança e sua permissão, permitindo a quem assiste perceber diversos momentos da relação estabelecida entre a cineasta e as pessoas filmadas. “Eu não pretendo falar sobre. Apenas falar próximo”, diz a cineasta no filme supracitado. 

Além disso, as paisagens sonoras do documentário, construídas na junção de instrumentos musicais, cantos, conversações, sons de insetos e batidas no pilão, não são utilizadas em sincronia com as imagens dessas ações e, unidas aos recorrentes momentos de silêncios, provocam estranhamento e desestabilizam as expectativas típicas das narrativas convencionais. 



segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Lendas do Velho Chico


O Nego D'água. Foto: Luis Osete.  

No universo das lendas ribeirinhas, que alimentam o imaginário local de histórias eivadas de lições morais, ensinamentos e modelações de condutas e vivências, a tradição oral mostra ainda a sua força inexorável. 

Entre os seres que mais se destacam nos territórios aqui evidenciados, estão: 

O Nego D’água, representado como um homem negro, careca e com mãos e pés de pato, que, quando contrariado, derruba a canoa dos pescadores, fura redes de pesca e assusta as pessoas; 

O Minhocão, um enorme surubim sem barbatanas, também responsabilizado pelos naufrágios de barcas, ataques e até mesmo o sumiço de pescadores e viajantes; 

A Mãe D’água ou Iara, metade mulher e metade peixe, que vem à tona à meia-noite, quando o rio dorme, para pentear seus longos cabelos em alguma barca disponível. 

Todos esses seres necessitam de oferendas para manter o rio em equilíbrio e garantir a continuidade da vida.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Euvaldo Macedo Filho: Poeta das Luzes Ribeirinhas

Foto de Euvaldo Macedo Filho. Fonte: Acervo de Euvaldo na internet.

Euvaldo Macedo Filho foi um poeta, fotógrafo, cineasta, compositor e agitador cultural, nascido em 1952 e falecido em 1982, em Juazeiro (BA). Após curta temporada de estudos em Salvador, passou a se dedicar quase que integralmente à poesia e à fotografia, a partir da metade dos anos 1970, quando retorna a sua cidade natal. Em Juazeiro, participou dos grupos artísticos locais, como o Grupo Êxodus e o Círculo de Convivência Cultural, os quais impulsionavam a produção artística em diversas linguagens, como a poesia, o teatro e a música.

Ao incorporar as temáticas sociais do fotojornalismo, Euvaldo Macedo as mesclava com sua admiração pela arte e pela literatura modernas, e com seu fascínio antropológico pelos personagens populares do sertão, suas festas, práticas religiosas, brincadeiras infantis, viagens a vapor. Assim, seu trabalho fotográfico se constituiu especialmente a partir de sucessivas viagens pelo rio São Francisco e pelo Oeste baiano, por cidadezinhas do sertão da Bahia, de Pernambuco, da Paraíba, do Ceará e do Piauí, compondo um leque abrangente de paisagens que se transformavam com a chegada da eletricidade, da televisão e das estradas.   

O Projeto Acervo Euvaldo Macedo Filho procurou respeitar e tornar visível esse aspecto multifacetado do artista e de sua obra, ao recuperar desde as mínimas notas de trabalho do artista até às fotos publicadas ou expostas, e cujo acesso foi possibilitado. Entretanto, a maior parte do material disponibilizado para visualização no website é inédita, inclusive para o fotógrafo – considerando a brevidade de sua vida – o que confere ainda mais valor a essa produção artística.


segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ilha do Massangano: encruzilhada de águas


Foto: Laysa Dandara


Distante cerca de 20 quilômetros dos centros urbanos das cidades de Juazeiro e Petrolina, a Ilha do Massangano está situada em uma encruzilhada de águas. 


Sobre as forças das águas do rio correm ali diversas correntezas: “algumas qualidades de espíritos mais afeitos às águas, em especial os ‘caboclos’ – seres que, junto às ‘almas’, estão sempre a caminhar ‘mais eles’”. 


Por lá, as celebrações são como as estações mundurukus, que se dobram e se renovam. O calendário é aberto com o giro do Reisado em janeiro e segue com a festa da Caboclinha Coroada do Rio, a Penitência (Disciplinadores e Alimentadeiras das Almas) e as festas de Santo Antônio e de Cosme e Damião. 


As crianças participam ativamente de cada celebração e o único cemitério da Ilha, o “cemitério dos anjinhos ou das alminhas”, é reservado apenas para elas. Mesmo assim, as etnografias que têm o Massangano como espaço de pesquisa seguem sem vê-las e escutá-las.


Portanto, nesta proposta de emersão dos sentidos das crianças massanganas, reconhecendo a força integradora e produtora da comunidade, há uma inversão de sentidos das abordagens dominantes no campo etnográfico que tematizam a Ilha.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Kékeré: o Grupo de Pesquisa que fundamenta esta pesquisa

O Grupo de Pesquisa Kékeré (palavra que, em iorubá, significa miúdo ou pequeno) é coordenado pela professora Stela Guedes Caputo e está vinculado à Linha de Pesquisa Infância, Juventude e Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd-Uerj). 

A partir dos estudos com crianças de terreiros e da elaboração de um caminho denominado Reparar Miúdo e Narrar Kékeré, o Grupo de Pesquisa criou a Fotoetnografia Miúda, uma etnografia que tem o seu fundamento na produção dialógica com crianças de imagens (estáticas ou em movimento) desestabilizadoras. 

Na pesquisa que aqui se estrutura, a sofisticação e a complexidade da relação criança-terreiro é proposta para a relação criança-rio, na exúrica encruzilhada de infâncias que não foram reduzidas ao projeto de morte (necropolítico) e seguem fazendo a festa de semente e a festa do presente.


Confira o canal do Kékeré no YouTube clicando aqui.

Diário das Águas: inundação de sensibilidades

"Escrever é mariscar palavras-peixes que beliscam nosso anzol", escreve Gabriela Romeu no posfácio do livro Diário das Águas, de s...